6.10.07

FP

Fernando Pessoa na Revista de Comércio e Contabilidade, 1926

Oportunidade


Uma das palavras que mais maltratadas têm sido, no entendimento que há delas, é a palavra oportunidade.

Julgam muitos que por oportunidade se entende um presente ou favor do Destino, análogo a oferecerem-nos o bilhete que há-de ter a sorte grande.

Algumas vezes assim é.

Na realidade quotidiana, porém, oportunidade não quer dizer isto, nem o aproveitar-se dela significa o simplesmente aceitá-la.

Oportunidade, para o homem consciente e prático, é aquele fenómeno exterior que pode ser transformado em consequências vantajosas por meio de um isolamento nele, pela inteligência, de certo elemento ou elementos, e a coordenação, pela vontade, da utilização desse ou desses.

Tudo mais é herdar do tio brasileiro ou não estar onde caiu a granada.

(nº 6, pág. 189)


Energia


Há três tipos de energia — a do trabalhador, a do homem activo e a do organizador.

O trabalhador exerce regularmente um mister ou um cargo segundo as normas desse mesmo cargo ou mister. Corre numa calha indefinidamente e com grande utilidade social.

O homem activo nunca tem mister próprio; a simples actividade é indisciplinada por natureza. Exerce ele sempre um cargo ocasional e temporário, uma espécie de molde em que vasa um momento a sua energia constante. Esse momento pode durar toda a vida: esse molde pode nunca quebrar-se.

O organizador trabalha pouco; faz só calhas e moldes.

(nº 4, pág. 125)


Mandar, obedecer


Os homens dividem-se, na vida prática, em três categorias — os que nasceram para mandar, os que nasceram para obedecer, e os que não nasceram nem para uma coisa nem para outra.

Estes últimos julgam sempre que nasceram para mandar; julgam-no mesmo mais frequentemente que os que efectivamente nasceram para o mando.

O característico principal do homem que nasceu para mandar é que sabe mandar em si mesmo.

O característico distintivo do homem que nasceu para obedecer é que sabe mandar só nos outros, sabendo obedecer também.

O homem que não nasceu nem para uma coisa nem para outra distingue-se por saber mandar nos outros mas não saber obedecer.

O homem que nasceu para mandar é o homem que impõe deveres a si mesmo.

O homem que nasceu para obedecer é incapaz de se impor deveres, mas é capaz de executar os deveres que lhe são impostos (seja por superiores, seja por fórmulas sociais), e de transmitir aos outros a sua obediência; manda, não porque mande, mas porque é um transmissor de obediência.

O homem que não nasceu para mandar nem para obedecer sabe só mandar, mas, como nem manda por índole nem por transmissão de obediência, só é obedecido por qualquer circunstância extrema — o cargo que exerce, a posição social que ocupa, a fortuna que tem...

Chamamos para estas singelas considerações psicológicas a atenção dos leitores. Devidamente compreendidas, elas elucidar-lhes-ão muitas coisas, e muita gente...

( nº 4, pág. 120)

Do forum do Caldeirão de Bolsa